Três casos recentes de atuação irregular de juízes expuseram as deficiências do poder judiciário no Pará. Deficiências que não se devem às causas estruturais que limitam objetivamente a eficácia da tutela jurisdicional, mas a deficiências pessoais dos magistrados. Como a carreira jurídica é a melhor remunerada no serviço público e a que tem as maiores garantias para o desempenho de sua função, que é vital, a sociedade acompanha esses casos com interesse e desejosa de ver corrigidas as falhas.
Muito mais do que em qualquer outra época, corretivos são adotados. Mas eles são eficazes? Terão a condição de inibir a repetição dos erros constatados e apurados? O poder judiciário está conseguindo vencer a leniência que o imobiliza quando o espírito corporativo é provocado? Está disposto a excluir aqueles que o integram de forma malsã, comprometendo a credibilidade da justiça? A punição máxima, a mera aposentadoria do servidor público ímprobo, é adequada para o prejuízo que ele causa?
Um magistrado punido por essa pena, como a imposta pelo Conselho Nacional de Justiça à juíza Clarice Andrade (ou pelo próprio Tribunal de Justiça do Estado à desembargadora Tereza Murrieta), vai para casa usufruir do farniente com 13 mil, 15 mil ou mais de 20 mil reais pingando na sua conta a cada mês até o fim da sua existência. Que outro servidor público, ou qualquer ser humano, sofre tal “flagelo”?
E quando uma juíza é punida por falta de ética e de exação na sua atuação, depois de ter sido denunciada outras vezes, como foi o caso de Maria Edwiges de Miranda Lobato, a mera censura escrita tem expressão? Por último (mas não por fim, infelizmente), quando mais uma magistrada atropela as normas e o bom senso na defesa de direitos de presos de alta periculosidade, como traficantes de droga, a repetição é um grave alerta aos responsáveis pela justiça. Depois de ter aparecido no noticiário da imprensa como uma nova “imortal” da Academia Paraense de Letras, Sarah Castelo Branco é acusada formalmente pela polícia e a Ordem dos Advogados por favorecer traficantes.
Se a magistratura, como regra, é exercida por pessoas qualificadas e honestas, as exceções não estarão se tornando mais freqüentes do que o tolerável? Espera-se que o relato dos fatos inspire a boa reflexão. E, se possível, melhores decisões.
Interesse pessoal
Valber Luiz Barbosa Duarte, Reginaldo Lima e Laerço Cruz de Aquino foram presos pela polícia no ano passado, acusados de terem roubado jóias no valor de 100 mil reais pertencentes a Regilena Lopes Pinho. A polícia recuperou parte das jóias em poder dos ladrões. Por isso, a prisão deles foi mantida pelo juiz Jorge Luiz Sanches, titular da 6ª vara penal do fórum de Belém.
Regilena ficou indignada quando soube que Reginaldo Lima e Laerço Aquino, sendo este o assaltante que lhe apontou um revólver, foram libertados provisoriamente pela juíza Maria Edwiges de Miranda Lobato, que assumiu interinamente a 6ª Vara Penal quando Sanches entrou em férias, apesar da manifestação desfavorável ao pedido de liberdade do representante do Ministério Público.
Ao chegar ao fórum para “saber a razão da soltura de seu carrasco”, Regilena Pinho observou que um dos advogados constituídos na procuração dada pelo réu Laerço Aquino era Lauro Lobato, irmão da juíza que soltara os assaltantes, embora a petição tivesse sido firmada pelo advogado Wilson Carlos Pinto Bentes, sócio de Lauro no escritório Bentes, Lobato & Advogados. Diante dos fatos constatados, a vendedora formalizou reclamação à Corregedoria de Justiça da Região Metropolitana de Belém. Só depois a prisão de Laerço foi novamente decretada.
O inquérito administrativo, que foi instaurado sem o afastamento preventivo da juíza denunciada. constatou que, depois de presos, os assaltantes foram patrocinados pela defensora pública Marilda Cantal. Mas quando Maria Edwiges Lobato substituiu juiz Jorge Luiz Sanches, depois de mantida a prisão provisória, Wilson Bentes assumiu a defesa dos réus, conseguindo soltá-los. Logo em seguida a defensora pública voltou à causa.
O relator do processo contra Edwiges, desembargador Leonam Gondim da Cruz Júnior, observou que não podia deixar de constatar que o sócio do irmão da magistrada “só funcionou nos autos, exclusivamente, para pleitear a liberdade provisória do réu e, diga-se, com êxito, justamente no período que a Dra. Maria Edwiges respondia pela 6ª Vara Penal”.
A juíza alegou que não percebeu que o nome de seu irmão constava na procuração e que não foi ele que atuou no caso, mas seu sócio. No entanto, além da demonstração de desatenção e falta de exação na instrução do processo, seu procedimento revelou um insólito interesse pessoal pelo caso. Maria Edwiges saiu da sua sala, na 16ª vara, e foi à secretaria da 6ª, onde nunca estivera pessoalmente, buscar o processo, acompanhada pelo irmão. Levou os autos para sua casa e, no dia seguinte, devolveu-os com a decisão concedendo a liberdade provisória, “em uma celeridade incomum ao seu comportamento”, conforme observou o desembargador-relator,
No seu depoimento, a juíza admitiu seu empenho para decidir o processo. Primeiro pediu por telefone que os autos lhe fossem mandados, mas “em face da urgência declinada pelos advogados, por se tratar de réu preso”, que mereciam prioridade. Como a remessa demorasse, “eis que estava sendo pressionada pelos advogados, no final do expediente, por volta das 13:55 h, dirigiu-se até a secretaria e pegou os autos, levando-os para sua casa”, conforme seu depoimento. Admite que, “com o afã de obter os autos para análise, seu irmão, Lauro, permaneceu do lado de fora, eis que estava carregando a sua pasta, ressaltando que tem problema de coluna e não pode carregar peso”. Ao retornar ao fórum do dia seguinte, a juíza trouxe já prontos os alvarás de soltura.
Giselle de Castro Leão, diretora de secretaria da 6ª vara declarou no inquérito que foi a própria juíza que assinou o livro de carga do processo, o que compete aos advogados e não a um julgador. Negou a informação prestada por Maria Edwiges de que um advogado ameaçou representar contra ela junto à Corregedoria de Justiça da Capital por demora na tramitação do processo, pressão que teria feito a juíza se apressar em ir buscar pessoalmente os autos. Disse ainda que “foi a primeira vez que presenciou o procedimento de um magistrado se dirigir até a secretaria para retirar o processo a fim de despachar”. E que a dra. Edwiges “não despachou nenhum dos processos de réus presos durante o período em que respondeu pela 6ª vara penal”.
Roberta Drummond Martins, analista judiciário, declarou que durante o período em que a dra. Edwiges respondeu pela 6ª vara “não chegou a vê-la ocupar o gabinete do juiz, recebendo os processos e proferindo os despachos no próprio gabinete da vara em que é titular”. No período em que a magistrada respondeu pela vara havia várias audiências marcadas, seguindo a pauta normal da vara: “entretanto, a juíza realizou apenas uma ou duas audiências”. Afirmou ainda que o caso dos assaltantes foi “o único em que o magistrado foi até a secretaria pessoalmente buscar um processo para proferir despacho”.
Esses e outros testemunhos levaram o desembargador-relator a concluir que o processo do interesse do escritório do irmão da juíza “obteve tratamento diferenciado com relação aos outros processos de réus presos, demonstrando, sem dúvida, o comprometimento da imparcialidade” de Maria Edwiges Lobato. “Ora, se o comando é impingir celeridade aos feitos, que sejam todos tratados de igual maneira”, observou o desembargador Leonam Gondim Júnior.
Concluiu ele: “Não se pode dizer que a magistrada adotou procedimento correto quando, incontestavelmente, demonstrou o seu interesse pessoal em despachar exclusivamente o processo daquele réu preso, Laerço Cruz de Aquino e, segundo ela, não percebeu que seu irmão figurava na procuração como advogado da parte”. Ressalvou a circunstância de que a atitude da juíza “não causou prejuízos irreparáveis, até porque, posteriormente, a custódia do réu foi restabelecida”, mas reconheceu a caracterização da falta de isenção de ânimo da julgadora para atuar no processo.
Na conclusão da análise, sugeriu a aplicação, por escrito e reservadamente, da pena de censura a Maria Edwiges de Miranda Lobato, “tendo em vista o seu procedimento incorreto no exercício da função”. O tribunal decidiu por unanimidade, com a aprovação do Ministério Público, adotar a sugestão do relator, em acórdão publicado no dia 5. Mas foi necessário realizar quatro sessões para conseguir quorum. Seis desembargadores se declararam suspeitos.
Punição por omissão
No final do mês passado, o Conselho Nacional de Justiça decidiu aposentar compulsoriamente a juíza Clarice Maria de Andrade, por ter mantido durante 26 dias uma adolescente presa em cela masculina com cerca de 30 homens, na delegacia de polícia de Abaetetuba. Os conselheiros do CNJ acataram por unanimidade o voto do conselheiro. “Este é um caso doloroso e emblemático, que chama a atenção para a responsabilidade dos juízes sobre o que ocorre no sistema prisional”, enfatizou o então presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes, que acompanhou o voto do relator, Felipe Locke Cavalcanti.
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LFP @ maio 1, 2010
Fonte: http://www.lucioflaviopinto.com.br/?p=1420
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