quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A casa da vovó Maroca (por Paulo Paixão)

Esforço-me e concentro-me para captar detalhes escondidos bem num fundo da minha mente, visando recordar com maior amplitude a tão amistosa, humana e até poética casa da família Paixão, localizada na Rua Galdino Veloso 692, no bairro da Aldeia, em Santarém, que nos acostumáramos a dizer “a casa da vovó Maroca” e posteriormente, “a casa da tia Nina”.
Até onde posso lembrar, eu deveria ter de sete a oito anos de idade, porém, já nessa época ajudava meu pai Mimi Paixão a carregar o seu sax-alto bem acomodado num estojo negro forrado, acredito eu, com veludo vermelho.
Morávamos no bairro da Prainha, cuja referência era a antiga Latada, exatamente no início da Presidente Vargas, às proximidades do rio Tapajós. De casa pra casa da vovó Maroca dava, pelo menos, uns vinte minutos a pé. Gostava de assistir aos ensaios da orquestra dos Paixão, que na época ainda se chamava “Os Mocorongos”. Lembro-me bem: na bateria, o Didi Paixão; no trompete, o Sardinha; papai no saxofone; tio Adalgizo no bombardino, no banjo (…), não me recordo, e Nicanor na tuba.
Posteriormente, ainda vi Joãozinho, Agostinho Paixão e o Kidó no trompete; Pirão no pandeiro, Marreta no bongô, etc. Os cantores (crooners) eram: Expedito Toscano, Cill Farney, Paulo Bolero, Nadir, Demétrio e por último Rai Brito. Ainda assisti ensaios com o José no piano. Recordo do papai ensaiando em casa com a cantora Iris Fona (no piano).
Os músicos tocavam lendo as partituras presas às estantes. Papai e tio Adalgizo repreendiam os atravessadores ou desatentos. Lá da cozinha tia Nina interferia:
- Epa, Sardinha! Não é essa nota!
Quando não, podia-se ouvir as interferências da tia Mariinha, que também possuía ouvido afinado. Eu ficava sentado no banco comprido que circundava a mesa de janta, enquanto aguardava o saboroso (e imensamente cheiroso) café da tia Nina.
Era uma casa de pobre, coberta com palha e paredes de taipa. O piso era mesmo de chão puro. Via as irmãs (Maria, Célia e Graça) o salpicarem com água para baixar a poeira. Aquela casa de cômodos espaçosos e um tanto escura, mesmo porque naquele tempo a luz era de petromax ou de lamparina, era arejada com auras carregadas de alegria, amor e sublimidade.
Quanta saudade sinto daquela casa de irmãos que se gostavam tanto, tanto… Como era bom escutar a tia Nina dando conselhos pro papai e para os outros irmãos, acarinhando o papagaio, o periquito, regando a goiabeira ao mesmo tempo em que dizia:
- Meu amorzinho, (à goiabeira) tome a sua água para você dar bons frutos!
Quando ela chegava em casa da missa das oito da noite, que encontrava suas plantas dormindo, dizia como se fora as queixas das próprias plantas:
- Dindinha! Essas malvadas não nos molharam! (referindo-se às meninas Maria, Célia e Graça).
E, pasmem, a goiabeira da tia Nina era viçosa, bastante frutífera e de frutos graúdos e doces. Tia Nina sabia que as plantas reagiam com positividade à ternura humana.
Lá no terreiro tinha, ainda, pés de bananeiras, coqueiros, jabuticaba, cacau, pitomba, sapotilha, etc. Havia o coqueiro do papai, do tio Calisto, do tio Adalgizo, do tio Otávio e dos demais tios. Que coisa bela! Que coisa humana!
Todos os músicos eram pessoas bem humildes. Viviam da música. Tocavam, não de ouvido, mas pregados às partituras como acima me referi. Olhava-os com simpatia porque, apesar da minha idade, pude perceber que aqueles homens tinham algo a mais nos seus semblantes. Eram sensíveis a tudo o que estava a sua volta: eram amistosos com as pessoas; falavam com mansidão; riam com facilidade e tinham gestos suaves. Tenho certeza de que todos tinham, no máximo, o primeiro grau, no entanto, a música os humanizou, os educou porque tanto a música como a poesia, acredito, eu, são atributos da alma e esta, um pedaço do céu em cada um de nós.
Às seis horas, após os sinos tocarem na igreja da matriz, a vovó Maroca fazia-nos ajoelhar para rezar o terço e nessa hora o silêncio tornava-se a fiel testemunha das nossas orações. Eu me emocionava e com toda razão: vovó ensinava-nos a rezar com devoção e respeito. Fazíamos as nossas orações de joelhos, num ambiente de austeridade e calmaria.
Assim eu vi a casa da vovó Maroca. Era um lar, antes de tudo, muito humano, na legítima acepção da palavra. Ainda que muitos dos irmãos eram casados e na faixa dos cinqüenta ou sessenta anos, foram unidos e muito se amavam. Os mais velhos tratavam os mais novos como se fossem crianças. Papai dizia que a mão da tia Nina era abençoada, pois, somente sentia alívio de suas fortes dores abdominais, após uma massagem seguida de orações feita por ela. Da tia Nina devo, ainda, acrescentar ou sublinhar os seguintes versos do poeta:
Divina! É o adjetivo que melhor define tia Nina!
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Tia nina faleceu…

E como contou o médico que a assistiu:
- Não permitiu operá-la, pois a cirurgia uterina programada quebraria sua promessa de virgindade eterna dedicada a Nossa Senhora!

Que Deus seja engrandecido!

Vovó Maroca com o meu avô Matias da Paixão (trompetista) muito contribuíram para se erigir a capela, hoje, Igreja de Nossa Senhora das Graças em Santarém. Angariaram junto aos amigos fundos e materiais para construí-la e muito embora os anais da história de Santarém não se reportem a esse fato notório, lá no céu, creio com convicção, já estão agradecidos pelos santos e felizes por terem servido a Deus sem alarde ou vaidade.

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*O autor é poeta e escritor "mocorongo".

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