domingo, 13 de setembro de 2009

Terceirização do Fisco:É possível?

Nós brasileiros vivemos em um Estado democrático de Direito que, infelizmente, é constantemente ameaçado por tentativas arbitrárias dos gestores públicos.
No que diz respeito ao exercício do poder tributário, em especial, à tarefa de constituir créditos tributários, o legislador constituinte, ao mesmo tempo, que concedeu competência tributária para que os entes federados criassem seus tributos (arts. 153, 155 e 156 da CF), criou mecanismos de segurança contra o arbítrio do poder tributário e para tanto no art. 150 estabeleceu as denominadas limitações constitucionais ao poder de tributar.
Acontece que a constituição do crédito tributário não é tarefa de qualquer agente público, pelo contrário, somente o servidor detentor de competência legal poderá fazê-la. Muito menos é aceitável a hipótese onde pessoa jurídica seja contratada para exercer função que o legislador e a doutrina jurídica nacional entendem que é privativa de servidor ocupante de carreira de Estado, mesmo que o “objeto” do contrato tente camuflar a verdadeira natureza dos serviços a serem executados.
Até aqui não existe polêmica. Contudo, a Prefeitura de Belém, através de escritório jurídico situado em Curitiba, planeja constituir créditos tributários sobre as atividades de leasing e serviços bancários de contribuintes situados em Belém, em flagrante desrespeito à legalidade do poder de tributar, “fragilizando” o sigilo fiscal dos contribuintes e usurpando competência que é privativa dos agentes públicos de carreira de Estado, neste caso, os Auditores Fiscais do Município.
O Ministério Público Estadual está analisando o fato e em breve deverá posicionar-se. No entanto, é preciso fazer uma singela indagação para reflexão: É possível controlar efetivamente, a fim de apurar a veracidade dos dados fiscais, a quantificação dos valores levantados por terceiros alheios ao serviço público?
Apenas para ilustrar a possível ilegalidade que poderá ser cometida, caso o intuito do Executivo municipal de Belém venha a concretizar-se, em nenhuma das capitais brasileiras ocorreu este tipo de “terceirização” do exercício da fiscalização tributária. Será que a nossa “metrópole” da Amazônia estará diante dos holofotes da imprensa nacional mais uma vez como exemplo negativo e, portanto, sujeita aos comentários depreciativos do restante do Brasil? Acredito e luto em favor da responsabilidade e seriedade das instituições jurídicas que fiscalizam e julgam eventuais arbítrios cometidos pelo Estado.
Em tempo: O Executivo municipal encaminhou polêmico projeto de lei reduzindo a base de cálculo do ISS sobre o serviço de transporte urbano. Tal redução, segundo o projeto, teria efeito retroativo e alcançaria, inclusive, os créditos definitivamente constituídos.
O art. 146, III da CF determina que cabe à lei complementar a criação de normas gerais em matéria de legislação tributária. Tal norma geral é o Código Tributário Nacional - CTN que, apesar de vigorar desde a década de 60 do século passado, foi recepcionado pela atual Constituição com status de lei complementar.
O CTN no art. 105 é claro ao dizer que a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa.
O CTN admite no art. 106, porém, que a legislação tenha efeitos retroativos somente em duas situações. A primeira, quando a lei tiver natureza interpretativa, ou seja, visar, esclarecer legislação preexistente. A segunda, quando o ato administrativo não tiver sido definitivamente julgado, deixando de considerá-lo como infração ou, ainda, estabelecendo penalidade menos severa.
Observa-se, assim, que o referido projeto ao prever que a eventual lei terá efeitos retroativos, reduzindo a base de cálculo, inclusive, de crédito tributário já definitivamente criado, ultrapassa a moldura da lei, conforme Kelsen ensina, desrespeita a vigente norma geral em matéria tributária, pois a retroação da legislação tributária só poderá ser admitida quando a lei for interpretativa e não é o caso, assim como, quando deixar de considerar um determinado ato como infração, hipótese que não se enquadra no texto do mencionado projeto de lei, ou, ainda, quando vier a reduzir a penalidade aplicável quando a norma tributária for desrespeitada, que, também, não é a situação prevista no projeto.
Note-se, portanto, que os possíveis efeitos retroativos não se aplicam a redução de base de cálculo como deseja o Executivo municipal.
Desta feita, de acordo com a mensagem anexa ao referido projeto de lei, a Prefeitura Municipal de Belém admite que renunciará em torno de 54 milhões de reais. É isto mesmo, pasmem, são milhões de reais em renúncia fiscal para um município onde a maioria da população vive, por exemplo, sem saneamento básico.
Por tratar-se de renúncia de receita, segundo a LC 101/2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, é obrigatório que a estimativa das renúncias de receitas constem de anexo à Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO. Indaga-se: existe na LDO tal previsão?
Assim sendo, em virtude do acima exposto, não tenho dúvida alguma, que o projeto de lei em questão deverá ter parecer contrário pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos vereadores, a não ser que, devido ao viés político que volta e meio costuma a subverter a lógica jurídica, o projeto tenha parecer favorável, restando, neste caso, que o Ministério Público do Estado, ou qualquer cidadão acione o Poder Judiciário de modo a evitar mais um desrespeito ao Estado democrático de direito.


Bruno Soeiro Vieira
é Auditor Fiscal Municipal e Especialista em Direito Tributário e Professor de Direito.

Artigo publicado no jornal Diário do Pará no dia 13/09/2009.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Indicação Bibliográfica

Vale a pena o resgate histórico da colonização predadora e brutal dos países da América Latina.

Kasparov baiano

O desembargador Carlos Roberto Santos Araújo foi flagrado jogando xadrez em seu computador na mais importante sessão do pleno do Tribunal de Justiça da Bahia este ano (veja foto abaixo). A reunião ocorrida nesta sexta-feira (4/9) foi convocada extraordinariamente pela presidente da corte, desembargadora Sílvia Zarif, para se discutir o fechamento do Instituto Pedro Ribeiro de Administração (Ipraj), braço gestor do TJ baiano. A sessão foi tensa, já que se debatia uma determinação do Conselho Nacional de Justiça no último dia do prazo concedido. As informações são do Jornal do Commercio de Pernambuco.
A sessão foi aberta por volta das 9h30 e os desembargadores faziam saudações ao colega Gilberto Caribé, que participava da última reunião do pleno antes de se aposentar. Também faziam críticas à cobertura da imprensa sobre os assuntos do TJ-BA, quando o repórter fotográfico Haroldo Abrantes, do jornal A Tarde, percebeu a cena. Foram feitas seis fotos, nas quais Araújo aparece concentrado, olhando para o monitor do computador.
Na sexta foto, a interface do programa mostra que a partida entre o desembargador e a máquina estava na 18ª jogada. E era a vez do magistrado jogar. “You move”, avisava o programa. O desembargador Araújo pensava na sua próxima jogada, enquanto os desembargadores reclamavam do resultado da pesquisa da Fundação Getúlio Vargas divulgada na terça-feira (1º/9), cujo resultado deu ao TJ-BA a pior avaliação do Brasil.
“Eu não estava jogando xadrez. Abri a página antes de a sessão começar, por curiosidade”, alegou o desembargador. “E a página ficou aberta [ao longo da sessão]”, completou ele, que só se manifestou uma vez na sessão, que durou cerca de quatro horas. Os cliques do fotógrafo, no entanto, dizem o contrário. Entre a primeira e a sexta foto foram feitos dois movimentos: o 17 e o 18.
Perguntado sobre a importância do uso do computador durante a sessão, o desembargador afirmou que a ferramenta serve para “dirimir dúvidas rapidamente”.
O fotógrafo do jornal conta que o desembargador foi avisado sobre as fotos. “Alguém da plateia nos viu fotografando e telefonou avisando ao desembargador para ele mudar a tela do computador. Quando me virei, a tela já tinha sido modificada”, conta Abrantes.
Os desembargadores debateram o projeto de extinção do Ipraj e decidiram pelo seu adiamento.
Foto: Haroldo Abrantes / Agência A Tarde

Fonte: Site Consultor Jurídico