sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Fagulhas, pontas e agulhas e a "casa" da família Abelém

Ao longe ouço uma marchina de carnaval interpretada por um grupo de músicos, sei lá, trumpete, saxofone e um surdo, está, longe não vejo, apenas ouço. Trata-se, deduzo, de uma festa de carnaval promovida em uma escola infantil aqui próxima.
Entendo ser positiva a iniciativa das escolas em induzirem às nossas crianças do espírito "momesco", principalmente, relembrando um carnaval que teima em não desaparecer. Pelo contrário, tenho notado que a cada ano que passa, mais e mais blocos são criados e embalados ao som das marchinhas de carnaval.
Por falar nisso, aplaudo a iniciativa do Elói Iglesias de promover em Belém um concurso de marchinhas, pena que a divulgação e o apoio estatal sejam incipientes.
Para quem não lembra o Elói é autor da música Pecadão de Adão, ícone da música popular do Pará, lembram:
"Quero te encontrar numa noite de luar,
no Bar do Parque, Farol Velho, em Marudá. [ . . .]
E lá vem mais uma marcinha:
"Sassassaricando
Todo mundo leva a vida no arame
Sassassaricando [ . . . ]"
Você leitor pode pensar que estou feliz, pois o carnaval está chegando, estou ouvindo marchinas e lembrei da música do Elói, não é?
Bem, não posso dizer que estou feliz, nem tampouco triste, estou melancólico e ao mesmo tempo frustrado.
Vou explicar.
Ontem, ao falar com um grande amigo, fui informado por ele, meio sem querer, que a família dele está vendendo a casa em que ele fora criado e que por muitas vezes estive presente, brincando e estudando durante minha infância.
Para aqueles que conhecem superficialmente aquela casa, poderá parecer que se trata de uma casa antiga e ponto, sem muito valor que, devido a sua localização, seria mais viável economicamente transformá-la em um negócio qualquer.
Todavia, aqueles que a conhecem profundamente, sabem do que estou falando.
É uma casa com personalidade forte e que impõe respeito.
Trata-se de um casa em estilo antigo que deve ter aproximadamente cem anos, pois fica no bairro do Reduto, local que décadas atrás era um local muito movimentando social e economicamente, mas que devido a dinâmica especulativa da cidade, ficou quase que no ostracismo urbano.
Importante reconhecer que na última década o bairro ganhou força; foi "turbinado" por uma nova onda de empreendimentos lá instalados.
A casa tem "pé direito" alto, piso de madeira, corredor largo, em torno de cinco quartos, quintal e terrace (para aqueles que gostam de um bom "papo molhado" com os amigos é perfeito aquele espaço).
Por falar no terrace, é inevitável, lembro do "velho" Abelém, pai do meu amigo.
Sendo sincero, apesar de conhecê-lo superficialmente, a imagem que tenho dele é aquela do pai perfeito, se é que existe.
Nosso útlimo encontro com o "velho" Abelém, estávamos, eu, Rogério, Edney e o Cassius no terrace quando ele aproximou-se e participou do nosso breve e inesquecível encontro.
Já com limitações em decorrência de uma doença que persitia em tirar sua vitalidade, mesmo assim, o seu Abelém (como eu o chamava) conseguiu brincar conosco, fazendo com que aquele encontro de velhos e queridos amigos se tornasse indelével em minha mente.
Na ligação telefônica de ontem com o Cassius, cobrei dele que promovêssemos um novo encontro no terrace com o objetivo de reinaugurá-lo, desta feita, já com a poesia de João de Jesus Paes Loureiro que um dia fora pintada em uma das paredes do terrace, mas que o tempo cuido de apagar.
A poesia era esta que agora transcrevo um trecho, pois a internet não me ajudou a encontrá-la em sua completude:
Passa a barca
Passa vento
Passa amante
Passa amada
Passa a vida
Fica o amor
Passa o amor
[ . . . ]
Falei acima em melacocolia e frustação, bem o primeiro sentimento se dá em virtude da venda da casa, o segundo, pelo fato da venda não ser para mim, é, reconheço, sempre tive um sonho secreto de um dia morar naquela casa.
Nunca havia externalizado para o Cassius, talvez por vergonha como ele pudesse interpretar minha intenção.
Algumas semanas atrás havia confindeciado à minha esposa que tão logo tivesse oportunidade, engoliria a vergonha e diria a ele que, se um dia a família dele pusesse a casa à venda, gostaria que me fosse dada a preferência.
Em resumo, não falei, a casa foi posta à venda e o negócio quase que concluído.
Papai do céu não quis.
Para encerrar este post, ouça mais uma marchinha, lá vai:
Bandeira branca, amor
Não posso mais.
Pela saudade,
Que me invade eu peço paz.
Bandeira branca, amor
Não posso mais.
Pela saudade,
Que me invade eu peço paz.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A casa da vovó Maroca (por Paulo Paixão)

Esforço-me e concentro-me para captar detalhes escondidos bem num fundo da minha mente, visando recordar com maior amplitude a tão amistosa, humana e até poética casa da família Paixão, localizada na Rua Galdino Veloso 692, no bairro da Aldeia, em Santarém, que nos acostumáramos a dizer “a casa da vovó Maroca” e posteriormente, “a casa da tia Nina”.
Até onde posso lembrar, eu deveria ter de sete a oito anos de idade, porém, já nessa época ajudava meu pai Mimi Paixão a carregar o seu sax-alto bem acomodado num estojo negro forrado, acredito eu, com veludo vermelho.
Morávamos no bairro da Prainha, cuja referência era a antiga Latada, exatamente no início da Presidente Vargas, às proximidades do rio Tapajós. De casa pra casa da vovó Maroca dava, pelo menos, uns vinte minutos a pé. Gostava de assistir aos ensaios da orquestra dos Paixão, que na época ainda se chamava “Os Mocorongos”. Lembro-me bem: na bateria, o Didi Paixão; no trompete, o Sardinha; papai no saxofone; tio Adalgizo no bombardino, no banjo (…), não me recordo, e Nicanor na tuba.
Posteriormente, ainda vi Joãozinho, Agostinho Paixão e o Kidó no trompete; Pirão no pandeiro, Marreta no bongô, etc. Os cantores (crooners) eram: Expedito Toscano, Cill Farney, Paulo Bolero, Nadir, Demétrio e por último Rai Brito. Ainda assisti ensaios com o José no piano. Recordo do papai ensaiando em casa com a cantora Iris Fona (no piano).
Os músicos tocavam lendo as partituras presas às estantes. Papai e tio Adalgizo repreendiam os atravessadores ou desatentos. Lá da cozinha tia Nina interferia:
- Epa, Sardinha! Não é essa nota!
Quando não, podia-se ouvir as interferências da tia Mariinha, que também possuía ouvido afinado. Eu ficava sentado no banco comprido que circundava a mesa de janta, enquanto aguardava o saboroso (e imensamente cheiroso) café da tia Nina.
Era uma casa de pobre, coberta com palha e paredes de taipa. O piso era mesmo de chão puro. Via as irmãs (Maria, Célia e Graça) o salpicarem com água para baixar a poeira. Aquela casa de cômodos espaçosos e um tanto escura, mesmo porque naquele tempo a luz era de petromax ou de lamparina, era arejada com auras carregadas de alegria, amor e sublimidade.
Quanta saudade sinto daquela casa de irmãos que se gostavam tanto, tanto… Como era bom escutar a tia Nina dando conselhos pro papai e para os outros irmãos, acarinhando o papagaio, o periquito, regando a goiabeira ao mesmo tempo em que dizia:
- Meu amorzinho, (à goiabeira) tome a sua água para você dar bons frutos!
Quando ela chegava em casa da missa das oito da noite, que encontrava suas plantas dormindo, dizia como se fora as queixas das próprias plantas:
- Dindinha! Essas malvadas não nos molharam! (referindo-se às meninas Maria, Célia e Graça).
E, pasmem, a goiabeira da tia Nina era viçosa, bastante frutífera e de frutos graúdos e doces. Tia Nina sabia que as plantas reagiam com positividade à ternura humana.
Lá no terreiro tinha, ainda, pés de bananeiras, coqueiros, jabuticaba, cacau, pitomba, sapotilha, etc. Havia o coqueiro do papai, do tio Calisto, do tio Adalgizo, do tio Otávio e dos demais tios. Que coisa bela! Que coisa humana!
Todos os músicos eram pessoas bem humildes. Viviam da música. Tocavam, não de ouvido, mas pregados às partituras como acima me referi. Olhava-os com simpatia porque, apesar da minha idade, pude perceber que aqueles homens tinham algo a mais nos seus semblantes. Eram sensíveis a tudo o que estava a sua volta: eram amistosos com as pessoas; falavam com mansidão; riam com facilidade e tinham gestos suaves. Tenho certeza de que todos tinham, no máximo, o primeiro grau, no entanto, a música os humanizou, os educou porque tanto a música como a poesia, acredito, eu, são atributos da alma e esta, um pedaço do céu em cada um de nós.
Às seis horas, após os sinos tocarem na igreja da matriz, a vovó Maroca fazia-nos ajoelhar para rezar o terço e nessa hora o silêncio tornava-se a fiel testemunha das nossas orações. Eu me emocionava e com toda razão: vovó ensinava-nos a rezar com devoção e respeito. Fazíamos as nossas orações de joelhos, num ambiente de austeridade e calmaria.
Assim eu vi a casa da vovó Maroca. Era um lar, antes de tudo, muito humano, na legítima acepção da palavra. Ainda que muitos dos irmãos eram casados e na faixa dos cinqüenta ou sessenta anos, foram unidos e muito se amavam. Os mais velhos tratavam os mais novos como se fossem crianças. Papai dizia que a mão da tia Nina era abençoada, pois, somente sentia alívio de suas fortes dores abdominais, após uma massagem seguida de orações feita por ela. Da tia Nina devo, ainda, acrescentar ou sublinhar os seguintes versos do poeta:
Divina! É o adjetivo que melhor define tia Nina!
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Tia nina faleceu…

E como contou o médico que a assistiu:
- Não permitiu operá-la, pois a cirurgia uterina programada quebraria sua promessa de virgindade eterna dedicada a Nossa Senhora!

Que Deus seja engrandecido!

Vovó Maroca com o meu avô Matias da Paixão (trompetista) muito contribuíram para se erigir a capela, hoje, Igreja de Nossa Senhora das Graças em Santarém. Angariaram junto aos amigos fundos e materiais para construí-la e muito embora os anais da história de Santarém não se reportem a esse fato notório, lá no céu, creio com convicção, já estão agradecidos pelos santos e felizes por terem servido a Deus sem alarde ou vaidade.

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*O autor é poeta e escritor "mocorongo".